30 de mar. de 2010

Limites - Monica Monastério (Madri-Espanha)

Este artigo está postado no site do Colégio Fazer Crescer e em outros sites e blogs. Contém uma opinião bem interessante sobre as diferenças entre os limites impostos à nossa geração pelos nossos pais e os limites que não são dados pela nossa geração aos nossos filhos hoje. Ei-lo:

Somos as primeiras gerações de pais decididos a não repetir com os filhos os erros de nossos progenitores. E com o esforço de abolir os abusos do passado, somos os pais mais dedicados e compreensivos, mas, por outro lado, os mais bobos e inseguros que já houve na história. O grave é que estamos lidando com crianças mais "espertas", ousadas, agressivas e poderosas do que nunca.
Parece que, em nossa tentativa de sermos os pais que queríamos ter, passamos de um extremo ao outro. Assim, somos a última geração de filhos que obedeceram a seus pais e a primeira geração de pais que obedecem a seus filhos. Os últimos que tiveram medo dos pais e os primeiros que temem os filhos. Os últimos que cresceram sob o mando dos pais e os primeiros que vivem sob o julgo dos filhos. E o que é pior, os últimos que respeitaram os pais e os primeiros que aceitam que os filhos lhes faltem com o respeito.
À medida que o permissível substituiu o autoritarismo, os termos das relações familiares mudaram de forma radical, para o bem e para o mal. Com efeito, antes se consideravam bons pais aqueles cujos filhos se comportavam bem, obedeciam as suas ordens e os tratavam com o devido respeito. E bons filhos, as crianças que eram formais e veneravam seus pais. Mas, à medida que as fronteiras hierárquicas entre nós e nossos filhos foram-se desvanecendo, hoje, os bons pais são aqueles que conseguem que seus filhos os amem, e, ainda que pouco, os respeitem.
E são os filhos quem, agora, esperam respeito de seus pais, pretendendo de tal maneira que respeitem as suas idéias, seus gostos, suas preferências e sua forma de agir e viver. E, além disso, os patrocinem no que necessitarem para tal fim.
Quer dizer, os papéis se inverteram, e agora são os pais que têm de agradar a seus filhos para ganhá-los e não o inverso, como no passado. Isto explica o esforço que fazem hoje tantos pais e mães para serem os melhores amigos e "tudo dar" a seus filhos. Dizem que os extremos se atraem. Se o autoritarismo do passado encheu os filhos de medo de seus pais, a debilidade dos presente os preenche de medo e menosprezo ao nos ver tão débeis e perdidos como eles.

Os filhos precisam perceber que, durante a infância, estamos à frente de suas vidas, como líderes capazes de sujeitá-los quando não os podemos conter e de guiá-los enquanto não sabem para onde vão. Se o autoritarismo suplanta, o permissivismo sufoca. Apenas uma atitude firme e respeitosa lhes permitirá confiar em nossa idoneidade para governar suas vidas enquanto forem menores, porque vamos à frente liderando-os e não atrás, os carregando e rendidos à sua vontade.

É assim que evitaremos o afogamento das novas gerações no descontrole e tédio no qual está afundando uma sociedade que parece ir à deriva, sem parâmetros nem destino.


Os limites abrigam o indivíduo, com amor ilimitado e profundo respeito.



2 de mar. de 2010

Bibliófilo José Mindlin

O amante dos livros, José Mindlin, faleceu no último dia 28. Espero que o grande bibliófilo tenha encontrado durante a sua existencia, o Livro dos Livros, o Livro da Vida, sem o qual nunca se saberá a Verdade, nem o Caminho para a Vida Eterna. No entanto, ele deixa-nos o exemplo de que, nem mesmo com o poder de carregar milhares de livros num pendrive ou em um computador, o livro como objeto de arte consegue destaque na humanidade, pois o valor de uma obra digitalizada não se compara a um original de Machado de Assis, por exemplo.
Segue abaixo pequena biografia do "imortal" da Academia Brasileira de Letras, retirada de uma entrevista para a ISTO É , em novembro de 1997:
José Mindlin foi um gigante da cultura brasileira. Como todo grande homem, deixa um grande legado, que é a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, o resultado de uma vida dedicada aos livros, que por sua generosidade hoje é um patrimônio de todos os brasileiros." Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo
"Mindlin era um emblema do livro, tinha com ele uma relação orgânica. Lembro com saudade o dia em que estivemos juntos, com Evanildo Bechara, na inauguração do Museu da Língua, em São Paulo, e eu lhe fiz o convite para ingressar na Academia. Vamos sentir muito a sua falta." Marcos Vilaça, presidente da Academia Brasileira de Letras
José Ephim Mindlin nasceu em São Paulo em 8 de setembro de 1914. Formou-se em Direito em 1936, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
"Advogou até 1950, quando foi um dos fundadores e presidente da empresa Metal Leve S/A, empresa pioneira em pesquisa e desenvolvimento tecnológico próprio no seu campo de atuação. Em sua atividade empresarial desenvolveu grande esforço em prol do avanço tecnológico brasileiro e no processo de exportação de produtos manufaturados brasileiros. Mindlin foi dono de uma das mais importantes bibliotecas privadas do país, que começou a formar aos 13 anos e, em 2006, doou cerca de 45 mil volumes, entre coleções e folhetos, para a Brasiliana USP, no campus da universidade, em São Paulo. [via Folha de São Paulo]"


Paixão e perdição

A relação dos homens com os livros, em particular a dos bibliófilos, aqueles que por eles se apaixonam, passa por três estágios. Primeiro, os homens pensam que conseguirão ler um número de livros maior do que de fato é possível. Num segundo estágio, consequência imediata do primeiro, passam a desejar ter em mãos o maior número possível de obras dos autores de quem gostam. Num terceiro momento, já siderados, surgem o interesse pelas primeiras edições, geralmente raras, e a atração pelo livro como objeto de arte. Esta última fase é definida pelo mais célebre bibliófilo brasileiro, o empresário paulista José Mindlin, como perdição. "Quando se chega a esse estágio, aquele que pensava em ser na vida apenas um leitor metódico está irremediavelmente perdido", confessa Mindlin. A patologia – doce patologia – está instalada em definitivo. Essa tese é defendida logo na abertura de Uma vida entre livros – reencontros com o tempo (Edusp-Companhia das Letras, 214 págs. R$ 42), texto confessional e ao mesmo tempo uma espécie discreta de autobiografia intelectual, em que o bibliófilo conta a história de sua paixão pela literatura.

Sua biblioteca particular em São Paulo, tem hoje 30 mil volumes, dos quais dez mil são raros e dois mil, raríssimos. Mindlin começou a comprar livros aos 13 anos. Nessa idade, ele já tinha lido obras como a História das Religiões, de Salomon Reinach, e as Letras e narrativas, de Alexandre Herculano. Desde 1927, lá se vão 70 anos, o empresário tem o hábito de frequentar sebos. Uma única regra o guiou na construção de sua esplêndida coleção, o prazer da leitura. "O que não gosto, e raramente acontece, é de ler por obrigação", diz. Mesmo diante daqueles títulos raros que sempre desejou e nunca conseguiu comprar, é o prazer, e não a cobiça, que o move. Ainda há muitos desejos insatisfeitos. Um deles é adquirir a primeira edição de Cultura e opulência do Brasil, de Antonil, publicada em 1711. Chegou a tê-la um dia nas mãos, mas não conseguiu comprá-la.

O empresário ensina que a mais importante qualidade de um bibliófilo não é a fortuna, ou a erudição, mas a paciência. Ele relata, para os que duvidarem, a difícil história que viveu com a primeira edição de O Guarany, de José de Alencar, de 1857. O livro – que é hoje um dos tesouros de sua biblioteca – foi oferecido a amigos do empresário, nos anos 60, por um grego, que pedia por ele algo como US$ 1.000. Para desespero de Mindlin, que só veio a saber da oferta depois, nenhum dos amigos se interessou. Dez anos depois, a primeira edição da obra apareceu no catálogo de um leilão de raridades na Inglaterra. Ele fez a encomenda a um livreiro londrino, que acabou deixando o livro escapar porque o achou caro demais. Em 1977, Mindlin foi a um leilão de livros raros em Paris e lá soube que O Guarany estava disponível. Na viagem de volta, já com seu tesouro no colo, pelo qual pagou muito mais do que o preço original, Mindlin pegou no sono. Ao desembarcar, não se deu conta de que deixara o livro caído no tapete do avião. A Air France o achou, três dias depois, em Buenos Aires. Foi preciso esperar mais alguns dias até o volume chegar, são e salvo, a seu destino definitivo.

No final Mindlin ainda elenca seus autores preferidos, entre eles Balzac, Tolstói, Cervantes, Sterne e Virginia Woolf. A experiência o leva a dar bons conselhos. Em matéria de livros, garante, cada um deve ser capaz de fazer suas próprias escolhas. O leitor deve se permitir passar de Machado a Astérix ou de Shakespeare a Agatha Chirstie. O importante é o prazer da leitura. Tanto que resume seus sentimentos com uma frase: "Num mundo em que o livro deixasse de existir, eu não gostaria de viver."

"Paixão e perdição" - Texto de José Castello, para ISTO É, 12/11/97